Não. Eu não tenho distúrbio de personalidade, pelo menos não tenho os sintomas. Também não vivo a sombra de pessoas ou ídolos, fingindo ser quem não sou. Minha personalidade não é nada fraca, pelo contrário. Sendo assim, sei bem quem sou; mas devo confessar que sempre tive reservas com as perguntas do tipo “quem é você”, seja para uma simples redação na época escolar ou para uma entrevista profissional.
Como descrever em poucas linhas quem eu sou? Impossível, eu sou tantas coisas, e isso também depende de como e onde eu me encontro.
Se estiver em uma igreja, por exemplo, eu sou silencioso, atencioso, temente e procuro repor minhas energias do “setor” espiritualidade. Já se estou em uma festa, sou pura descontração, gargalhada, sou também observador, simpático, e ando compulsivamente por todos os lados. Se estiver em uma super festa, “open bar” quem sabe, posso até ser alcoolista por algumas horas.
Se estiver sozinho penso, penso, penso e penso. Sou leitor, dor e amor. Sozinho sou o que talvez quisesse ser e tenho medo, sou música, poesia e alegria. Ou tristeza. Quando estou com amigos sou companheiro, sincero, brincalhão, conselheiro, e aproximo-me da quase profissão de psicólogo. Já se estou diante de pessoas desconhecidas, sou tímido e travo.
Se estiver feliz sou paz e amor, rock and roll, sou All Star nos pés, bermuda, e mochila nas costas. Triste eu sou lágrimas, dor que dilacera o peito e parece não ter fim. Quando sou triste ganho inimigos, e me volto contra o tempo, contra Deus, contra a sorte e meu destino.
Cantando no chuveiro eu sou a Christina Aguilera, dono do maior fôlego do mundo, afinado, com o tempo musical exato e além de tudo, com uma linda voz.
Se estiver assistindo um filme que gosto, “Amélie Poulain” por exemplo, sou filósofo, crítico, detalhista e amante da arte do cinema. Quando estou lendo eu sou turista em terra nova, viajante sonhador, sou criança descobrindo novas palavras, sou recanto, ilusão segura, sou barco a vela e vou para onde a ventania da poesia me levar.
Se estiver nervoso sou grosseiro, irônico, arrogante e chego ao ponto de me tornar insuportável. Com medo sou cauteloso, frágil, carente e desenvolvo dons de premonições (e isso só a minha irmã mais velha será capaz de entender).
Se o assunto é política ou futebol vou logo avisando, sou ignorante, burro, um completo idiota; deixo claro que detesto futebol, que não torço nem para o Brasil em Copa do Mundo e que voto por obrigação. Depois levanto da mesa e não volto àquela rodinha nas próximas horas.
Existe também a explicação óbvia de quem eu sou: filho dos meus pais, irmão das minhas irmãs e tio dos meus sobrinhos. Agora uma coisa que eu não sou mais é neto, e quando penso nisso sou a pessoa mais triste do mundo. Uma característica notável também descreve quem sou, e às vezes serve até como ponto de referência de pessoas deselegantes: sou gordo.
Se estiver na internet, sou caça talentos, procurando novas músicas, novos blogs, novos escritores. Na internet também sou mentiroso. Ah, na internet todos somos mentirosos, afinal, eu e você nunca fomos tão bonitos, intelectuais e humoristas como somos agora depois da criação do Facebook.
Agora, se eu estiver sonhando ninguém me segura... sou uma águia e vôo alto, livre. Corro como um tigre; ando sobre as águas; alimento-me de nuvens e posso até tocar o céu. Quando sonho sou a realização do inconsciente, misturado ao consciente e todas as mais loucas aventuras e desejos reprimidos. Posso ser um descobridor de tesouros perdidos, um mochileiro à la Che Guevara, um pirata, um grande compositor, um cantor, um ator dos filmes do Almodóvar, ou quem sabe até um diplomata. Ontem por exemplo eu era candidato a Deputado Federal, aliás, está ai uma coisa que tenho certeza e espero nunca ser!
Quanto ao sentir, sou intenso. Se for para chorar, que seja soluçando. Se for para rir, que sejam gargalhadas. Se for para dormir, que chegue a doer as costas. Se for para comer, que seja o pé da mesa. Se for para dançar, que seja até o chão. Se for para amar, que seja até a última conseqüência. Se for para esmagar, que seja com as próprias mãos, sendo assim, só tenha cuidado quando o assunto for ódio.
Ninguém é uma coisa só, somos um misto de bondade e maldade, escolhas e conseqüências, alimentos, palavras e sentimentos, números, sangue, ações e reações.
Sou aquilo que vejo quando fecho os olhos, e sigo descobrindo mais e mais quem realmente eu sou. Sou o que quero ser hoje e ponto. Amanhã... amanhã serei outro talvez.
Já você... Quem é você?
Sou o que quero ser hoje e ponto. Amanhã... amanhã serei outro talvez.